Alma Alvarez, 46 anos, casada, brasileira. Era assim que iniciava o currículo daquela mãe preocupada, que deixava aquele pedaço e papel nas organizações na esperança de uma oportunidade que a ajudasse a cuidar de seus filhos. Moradora da maior comunidade da sua cidade, Alma somente estudou até o Ensino Médio por muito esforço de seus pais, característica essas que insiste em passar para seus filhos. Apesar da vida difícil, determinada como era, Alma não tirava o sorrido do rosto e nem deixava de cumprimentar a todos que cruzavam seu caminho. Definitivamente, ela era uma pessoa autêntica, de uma personalidade forte e única. Seus cabelos pintados escondiam os brancos que marcavam sua idade, suas rugas mostravam todas as batalhas da vida que tinha vencido e o que mais a deixava feliz era ver Estevão e Sofia, seus filhos, estudando e se divertindo em segurança.
Mulher, esposa, mãe e cristã. Tão simples e tão serena, quem diria que Alma seria calmaria em um mar de confusão que vivia? Sua vida nunca foi fácil, lhe faltaram oportunidades e sofrera com perdas muito nova, mas sua maior virtude, a resiliência, fazia dela a pessoa mais resistente que conhecera. Pois é, o mundo não estava preparado para Alma. Enquanto por fora ela revelava seus maiores sonhos, por dentro ela se recolhia e escondia seus maiores medos. Talvez seja o que mais acontece com pessoas fortes. E Alma era uma pessoa assim. Forte.
Na sua infância, Alma perdera os pais. Bala perdida. Infelizmente um fato corriqueiro na comunidade que vivia. Esse acontecimento fez com que sua infância tivesse sido cessada, pois como a irmã mais velha, 10 anos na época, ela aprendeu a cuidar de suas duas irmãs mais novas. Na adolescência, aos 16 anos, conheceu Marcelo, o homem que viria a ser seu marido dois anos depois. Cresceram juntos, mas seus caráteres eram incompatíveis. Ele foi assassinado 5 anos após Estevão e Sofia, os gêmeos nascerem, deixando-a sozinha para cuidar deles e um bebê recém-nascido, Lucas. Sua vida adulta também foi marcada, infelizmente Lucas não resistira a uma forte pneumonia e a deixou antes de completar seu primeiro ano. Foram muitas perdas, mas ela persistia com seu semblante de mulher guerreira.
O luto pode deixar as pessoas paralisadas por dentro, enquanto tentam sobreviver a um mundo que não entende a imensa dor que se instala ao perder um ente querido. Inclusive pessoas fortes como Alma podem aparentar fraqueza às vezes, o que é normal, mas seguem sorrindo pois a vida é assim, uma constante luta diária, na qual externamente você sorri, enquanto internamente você chora. Era o que acontecia com Alma, que buscava mais a calma nos olhos esplêndidos dos seus filhos e na fé no futuro e na crença de que tudo ia melhorar sempre.
Borboletas no estômago! Que sensação extraordinária ao vê-lo toda vez que chega da escola. Talvez só uma mãe saiba a alegria que é ver seu filho voltar para a casa e poder dar um beijo de boa noite antes de dormir. Allan é meu príncipe, meu garotinho e a razão do meu sorriso diário. Seus lindos olhos azuis cor do céu refletem o amor que sentimos um pelo outro, porque percebo como brilham ao olhar para mim, enquanto eu, expresso em meu sorriso de orelha a orelha toda felicidade que é ter um filho como ele.
Sua forma de me abraçar é única. Toda manhã ao acordar, Allan me abraça forte e diz “Mamãe, eu sou muito feliz com você!” e eu digo “Eu também, meu anjo!”. É impressionante como um ser tão pequeno provoca em mim uma vontade de sair pulando como um canguru. Ser mãe é um presente!
São nas atitudes mais simples que vejo o milagre acontecer. Como quando o vi dar seu primeiro sorriso ao colocar o seu pé na boca ainda bebê. Parecia que ele tinha descoberto que aquele ato fazia dele um ser existente, o que provavelmente acontece com todas as crianças.
Por experiência própria, posso te garantir que apesar dos percalços que existem, ser mãe é sinônimo de alegria.
***Ainda não tive a oportunidade de conhecer a maternidade, mas diante de um exercício do Curso de Escrita Criativa que estou fazendo, me foi solicitado escrever sobre alegria, e imagino que alegria seja isso, ser mãe.***
Dói quando as cicatrizes não se curam. Dói no corpo e na alma.
Lembro todos os dias a sensação que tive ao ser cortada, quando apenas tinha doze anos de idade. Difícil esquecer do fato relevante que dividiu sua vida, de quando antes tudo era luz e em uma fração de segundo, tudo se tornou sombra. A verdade é que nunca vou esquecer, apenas aprender a conviver. Não, ainda não aprendi. Vivo há vinte anos nesse profundo mar de desilusões.
É intrigante, eu sei. Que ser humano faria isso com uma garotinha brincando enquanto brincava com sua boneca preferida? Se é que posso chamar isso de ser humano… Alguém que me cortou, me feriu, me machucou e nunca me curou. E é tudo que sinto toda vez que olho ele. O dia que mais gostaria de alegrar, é o dia que só consigo adoecer.
Naquele Natal eu apenas queria saber de proteger minha boneca Susy e desde então eu só quero me proteger das mãos violentas dele. Mas nunca consegui e todo ano a cicatriz se rompe. Rasga, molha, sangra. O toque não é veludo e doce, é constrangedor e ardente, no mau sentido. E enquanto ele se aproveita, eu somente fico petrificada.
Cresci acreditando que o problema estava em mim, porque ele dizia que eu tinha as pernas muito grossas e a bunda muito grande para uma criança, mas eu era uma criança destruída. Como crescer diante de alguém que você confiou e te manipulou, usando seu próprio corpo como arma para te aniquilar?
“É só um machucado de infância!”, ele diz. “É só a minha vida interrompida!”, eu digo. E com o semblante triste, sigo meu caminho em direção a lugar algum, pois uma pessoa como eu já não vive mais, e se há alguma salvação, eu desconheço.
Enfim, cheguei à Montana. Como nunca reparei na beleza de Great Falls? Há magia nessa cidade, há brilho e há um lugar para mim. Enquanto seguíamos a caminho de casa, reparei em um lago muito especial, e como estamos no verão, pude ver a beleza de todas àquelas árvores, de toda àquela natureza que falta em Nova York, onde esbanjei luxo e mau caratismo. Agora estou pronta. Eu vou esbanjar leveza, gratidão e paz. Mas antes temos que passar na Delegacia para verificarmos a minha situação… Ironia ou não, lembro que passei meus 21 anos sozinha em casa com uma taça de vinho em um apartamento pequeno alugado em Manhattan, NYC. Agora vejo que esses quase três anos fora de casa eu aprendi muita coisa, experiências que precisei passar para me fazer querer ser uma pessoa melhor. E chegamos à Delegacia, mas ao lado dos meus pais eu estou me sentindo segura e confiante como nunca estive antes.
– Sim, Senhor White! Tudo certo com a fiança. Os trabalhos comunitários serão às terças e quintas na fazenda do Senhor McCormack, o irlandês que chegou em nossas terras há alguns bons anos. – Disse o Delegado Harry. – Obrigada, Harry! Sabia que poderia contar com Great Falls. – Agradeceu meu pai.
***
Engraçado. Cheguei na fazenda dos McCormack e parece que eu conheço aquele caipira ali… Espera! É aquele idiota que me ajudou a fugir! Como era o nome dele mesmo? – me perguntei.
– Olá, Sarah. Lembra de mim? – Perguntou o menino. – Eu sou filho do senhor McCormack, ajudo meu pai aqui na fazenda. Tudo bem com você?
Nossa, como ele é cortês e eu nem lembro o nome dele. Mas para quem era tão feinho mais novo, parecendo O Galinho Chicken Little Russo, ele está bem gato agora…
– O…o…i… Eu… Eu lembro, claro… – Gaguejei – Jailson McCormack. Imginei que você não lembrasse meu nome ou talvez nunca soube. Bom, temos muito trabalho aqui! Vamos? – Mas no que eu posso ajudar vocês aqui, Jai…Jailson? – Lenha! Já aprendeu a cortar uma madeira no meio? Pois é isso que você irá fazer.
COMO ASSIM EU VOU CORTAR LENHA?! Respira, Sarah… E não pira!
– Jailson, eu não sei como posso ajudar com isso. – Indaguei enquanto ele ria. – Fica tranquila, você só vai me ajudar a carregar as madeiras para o caminhão. – Ah, sim. Claro. Desculpe, talvez tenha parecido que hesitei mas é porquê eu não tenho essa força e preparo para cortar lenha e… – Mas tem bastante preparo para iludir adolescentes, né? – Perguntou ele com uma cara nada boa. – Desculpa, Jailson… De verdade. Eu era uma idiota. – E agora eu que estou me chamando de idiota! A que ponto chegamos! – Eu não quis te iludir, mas eu posso te mostrar como amadureci.
Jailson McCormack. Eu lembrava dele nas aulas de biologia do último ano. Ele sabia tudo sobre árvores. Saber tudo sobre árvores há alguns anos atrás poderia ser bobo para mim mas hoje percebo que esse menino não tem só músculos, ele era inteligente, e gato. Muuuito gato!
– Tudo bem, Sarah. Eu era muito bobo… – Me respondeu humildemente. – Era mesmo. – Não resisti. Eu sempre com a minha sinceridade cruel. – Desculpe, digo… Todos nós éramos bobos. Você era o mais inteligente da sala. Não foi para alguma faculdade? – Perguntei tentando mudar de assunto. – Eu passei em algumas, mas meu pai ficou doente e precisei ficar na fazenda administrando os negócios da família. – Respondeu Jailson com um olhar triste.
***
Foram três meses do mais divertido serviço comunitário. Acho que vou ser malvada mais vezes já que a fiança é arrumar um namorado tão gente boa… Brincadeiras à parte, eu estava me transformando nos meus maiores sonhos. E isso fazia de mim uma mulher renovada e feliz. Jailson me ajudou muito a aprender a ser gentil com os mais necessitados. Toda quarta-feira nós íamos juntos de noite no bairro mais pobre de Great Falls entregar comida e honestamente, pode parecer hipócrita mas fazer o bem é muito mais recompensador, pois quando você vê o sorriso de gratidão das pessoas, percebe que “É isso! Felicidade é ser grato!”.
Nós estávamos felizes juntos. J. me dava muitas ideias e me incentivou a continuar a dançar, o que por mim eu teria desistido, e eu o incentivei a começar a faculdade de Administração e nós passamos um verão maravilhoso juntos. Eu tinha aberto uma escola de Ballet para crianças no centro da cidade, não me importava com as pessoas dizendo que “A Melhor Bailarina de Nova York virou Professorinha”, mas quem sabia da minha felicidade era eu e a opinião dos outros nunca me importou, ainda mais agora que sei que estou no caminho certo… Até que…
– Calma, meu amor! Por favor, fica comigo… – Meu choro desesperado segurando as mãos de J. suplicando para que ele sobrevivesse. Naquele dia, tínhamos um jantar romântico marcado e ele foi me buscar na Escola de Ballet, mas um carro atravessou o sinal e ele foi atropelado, bem na minha frente. Bem. Na. Minha. Frente. – Senhorita, White, não poderá entrar a partir daqui! Iremos fazer o possível. – Disse Dr. Brandon.
Reparei enquanto via J. desacordado e ensanguentado, entrar no centro cirúrgico, que um pacote caía do seu bolso… Então peguei e abri.
“Casa comigo?”
Era um anel de noivado e dentro ele havia escrito isso, me pedindo em casamento. Por quê eu estava prestes a perder o amor da minha vida? Aquele que realmente me encontrei e me fez eu me tornar na melhor versão de mim? Eu estava tão fraca, não queria acreditar que aquele pesadelo estava acontecendo. Até que o Senhor McCormack chegou junto com meus pais… Pude me sentir um pouco mais amparada.
– Família de Jailson McCormack! – Exclamou Dr. Brandon enquanto levantávamos desesperados. – Venho informá-los que… Ele vai ficar bem! – Graças a Deus! – Exclamamos todos juntos!
Eu me quebrei em milhões de pedaços, sim. Mas por acreditar em mim e aceitar que pessoas que me amam também acreditavam em mim, eu estava lá, naquele belo dia de outono, vestida de noiva, casando com quem agora era a razão de toda minha felicidade e regeneração. E assim prometi a J.: “Eu vou brilhar apenas para você!”