Dói quando as cicatrizes não se curam. Dói no corpo e na alma.
Lembro todos os dias a sensação que tive ao ser cortada, quando apenas tinha doze anos de idade. Difícil esquecer do fato relevante que dividiu sua vida, de quando antes tudo era luz e em uma fração de segundo, tudo se tornou sombra. A verdade é que nunca vou esquecer, apenas aprender a conviver. Não, ainda não aprendi. Vivo há vinte anos nesse profundo mar de desilusões.
É intrigante, eu sei. Que ser humano faria isso com uma garotinha brincando enquanto brincava com sua boneca preferida? Se é que posso chamar isso de ser humano… Alguém que me cortou, me feriu, me machucou e nunca me curou. E é tudo que sinto toda vez que olho ele. O dia que mais gostaria de alegrar, é o dia que só consigo adoecer.
Naquele Natal eu apenas queria saber de proteger minha boneca Susy e desde então eu só quero me proteger das mãos violentas dele. Mas nunca consegui e todo ano a cicatriz se rompe. Rasga, molha, sangra. O toque não é veludo e doce, é constrangedor e ardente, no mau sentido. E enquanto ele se aproveita, eu somente fico petrificada.
Cresci acreditando que o problema estava em mim, porque ele dizia que eu tinha as pernas muito grossas e a bunda muito grande para uma criança, mas eu era uma criança destruída. Como crescer diante de alguém que você confiou e te manipulou, usando seu próprio corpo como arma para te aniquilar?
“É só um machucado de infância!”, ele diz. “É só a minha vida interrompida!”, eu digo. E com o semblante triste, sigo meu caminho em direção a lugar algum, pois uma pessoa como eu já não vive mais, e se há alguma salvação, eu desconheço.
Caso você saiba, me salve, porque eu quero viver.